segunda-feira, 18 de maio de 2009

O silêncio de Carlos Bolacha

Ter um blog é bom quando se quer escrever sem a obrigação de escrever. Tudo que se faz sem cobranças aparece mais fácil, é mais natural e verdadeiro. Este post vem sem cobrança, vem pelas conversas sobre dança e pela tempestade que essas conversas causam em mim.
Falando sobre dança, mais especificamente sobre o Baila Floripa 2009, que talvez seja o maior evento brasileiro voltado para as danças de salão sem distinções de ritmo, venho destacar algumas das coisas que mais me chamaram a atenção e que fizeram refletir sobre a própria dança de salão e a sua aparição como produção artística.

Bem, no desenrolar das coreografias nas noites de espetáculo pude perceber o quanto as Cias tem se preocupado com a performance dos bailarinos. É notável, se comparado com os outros anos: os bailarinos voaram muito mais alto nesse Baila, giraram muito mais e em menos tempo, as pernas se entrecruzaram com mais rapidez, o grau de dificuldade dos lifts foi incomparável, os bailarinos estavam mais ágeis e fortes, a técnica transpareceu, os passos de efeito surtiram muito mais efeito, além de tantas outras coisas. Eu falo de uma maneira geral, sem citar a existência de muitas coreografias tipicamente de alunos, que são freqüentes desde o primeiro Baila em 2002.
O desempenho dos bailarinos visto nesse Baila Floripa jamais poderia ser imaginado há 7 anos atrás e eu fico pensando o quê nos espera para o Baila de 2010... sei lá,.. facões supersônicos, giros mirabolantes, pegadas a la Cirque de Soleil...

É claro que um bailarino virtuoso nos enche os olhos, prende – muitas vezes – a nossa atenção, nos faz querer ser eles próprios, nos surpreende. Quem já fez aulas de música, como eu que dediquei muitos anos a estudar piano, sabe o quanto impressiona tocar uma peça de Liszt ou de Mozart, é puro virtuosismo. São poucos que o fazem bem, e ouví-los, sem dúvida nos impressiona. No entanto, do outro lado do rio, existe também um Dorival Caymmi, que é um símbolo de lentidão e que com poucas notas faz uma música tão simples, mas tão simples, que acaba dizendo tudo! Daí eu me pergunto, mas o que é que o Caymmi tem?!






Nesse Baila Floripa eu vi Mozarts, Liszts e 1 (um) Caymmi: Carlos Bolacha. Já tinha ouvido falar nele, mas não tinha visto nada dele, nem coreografia, nem sua dança no salão. Sobre seu samba, posso falar que é diferente de muita coisa que eu já vi – um jeito de dançar aos pulos, como estouro de pipocas. Não é extraordinário pela sua forma, mas é impressionante pela sua espontaneidade, é verdadeiro. Caymmi fazia as canções daquele jeito porque ele era assim, era assim que via e pensava o mundo. Ninguém poderia imitá-lo porque aquilo tudo era tão representativo da figura que era, que só sendo ele mesmo. João Bosco é ele porque tentou imitar Caymmi e não conseguiu. Ana Carolina é ela porque tentou imitar João Bosco que tentou imitar Caymmi e não conseguiu. Graças a Deus cada um é o que é. E Bolacha não tentou imitar ninguém, é ele.

Mas isso ainda não é o sumo da laranja. Carlos Bolacha me chamou a atenção, e não só a mim, quando em uma das suas coreografias ele simplesmente vinha sozinho de uma daquelas lentas caminhadas - típicas da figura do malandro carioca - e parava no foco central do palco do teatro; até aí nada demais, mas ele parou. No meio de toda a performance e do virtuosismo do Baila, quando vejo, ele pára! Eu via aquilo tudo e não acreditava. Comentava com a Cacá que estava ao meu lado: “não acredito que ele parou mesmo...” Ele parou e ficou. Não sei por quanto tempo, talvez 1 minuto. A música acontecendo e ele parado no foco central, sensacional!

Aos poucos o público que estava em comportado silêncio começa a cochichar e todo aquele burburinho aumentava. É o dialogo entre artista e platéia. Não importa o que falavam, e sim que houve uma reação. O público não permaneceu passivo, ele estava fazendo parte da coreografia.

Mais tarde, nos outros dias da Mostra, muita gente comentava que o Bolacha queria mesmo era que as pessoas escutassem a música. De fato sim, a música fazia referência a São Jorge (ou Jorge da Capadócia na música), homenageado no dia 23 de abril, e sem dúvidas um hino, ou melhor, uma oração ao santo dos católicos ou ao orixá dos umbandas, mas isso não era tudo. Para mim, apesar da música, foi um momento de silêncio: o silêncio de Carlos Bolacha. A ausência de movimento me remeteu a um silêncio que quis dizer tudo.

John Cage, referência na performance artística e na música contemporânea compôs a primeira obra silenciosa chamada 4’33’’ em 1952. Nela os músicos permaneciam 4 minutos e 33 segundo sem uma nota sequer. A partir desse momento o público perguntava se aquilo que tinham acabado de presenciar era música. Era o silêncio dizendo tudo. Dessa forma é de se perguntar se aquilo que fez Bolacha era dança ou não. Muitos saíram de lá dizendo que não.


Consciente, ou não, o que interessa é que aconteceu, quem estava lá viu tudo. Bolacha de certa forma marcou a dança de salão por trazer o silêncio a ela e o silêncio sempre quer dizer algo. Na psicologia, na filosofia ou na religião sempre existe motivo pro silêncio. Bolacha acabou por citar Cage em sua coreografia, e que no meu ponto de vista tiveram os dois a mesma intenção: fazer com que cada espectador ganhasse um tempo para respirar e mudar o olhar do palco para si, como uma forma de auto-reconhecimento.
Dentro de um contexto de arte isso não seria surpreendente, mas estamos falando de dança de salão, aí já faz toda a diferença.

5 comentários:

  1. O silêncio que toma conta das pessoas, paralizando-as quando algo as pega de surpresa, desprevenidas e as deixa sem reação. Foi assim que fiquei, por alguns minutos estatizada, digerindo e contemplando, como aquele menino que conheci lá em 2004/2005 nas aulas intermediárias do antigo Paço da Dança, não apenas tornou-se um dançarino virtuoso, estudioso e pesquisador de sua arte, de quem tenho muito orgulho, e que agora me enche os olhos e o coração, me tomando totalmente de surpresa com seu texto maravilhoso, simples mas ao mesmo tempo profundo em sua maneira de descrever sentimentos e compreensões que fazem com que o leitor mergulhe em suas palavras e tenha a sensação de estar deslizando em um mar de águas tranquilas contemplando nas palavras do autor exatamente os sentimentos que lhe vão no coração.
    Fantástico!
    Parabéns!

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  2. Gui, não sei por que o comentário acima saiu com o nome da minha mãe...mistérios da tecnologia que minha cabeça não consegue alcançar...
    Beijoss
    Catita

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  3. Uma das coisas que mais me chamaram atenção nesse Baila Floripa, foi o silêncio da platéia. É muito bom perceber que o público da dança de salão de Florianópolis tem se mostrado ano após ano, mais exigente. Quem sobe no palco pra mostrar passos com técnicas corporais apuradíssimas, não garante o desfruto dos aplausos dos espectadores atentos, assim como aconteceria poucos anos atrás. O burburinho no silêncio do Bolacha é um ótimo sinal: alguma discussão gerou! Boa ou ruim, mas aconteceu. Os aplausos vigorosos para o samba-rock do Stilo Refinado, foi um consenso. O povo quer o novo! Isso ficou claro. Uma mistura sutil entre o hip hop e o samba-rock, ou mesmo o zouk - que a Twist apresentou - com o hip hop, foram certeiros na satisfação do público. É perceptível que a dança de salão está começando a buscar novos meios, uma hibridização de linguagens que tendem a trabalhos muito mais consistentes, na minha opinião.

    beijo no queixo

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  4. Muito bom o artigo Gui! Parabéns, passei a ser leitor do seu Blog!
    Abraço!

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  5. Onde mora o surpreendente???

    Pra mim, dentro de cada um de nós...
    Descobrir o que de surpreendente mora dentro do outro é o que me faz sentar em uma platéia como expectadora. Um amor, uma crença...uma vontade...Uma verdade. Por que dançamos? o que mostramos? Definitivamente não são os facões supersônicos que me tocam. Nem uma coleção de pessoas gêmeas. Pra cantar em mim, precisa ter significado. Sabe Gui, falo isso e rio. Gerar significado é algo que fazemos desde muito cedo, na primeira infância... identificamos algo com o que ele representa para o mundo e para nós..e a minha maior pergunta se torna porque nos desprendemos disso??? Muitas vezes abrir o coração é uma tarefa um tanto árdua! Viver o amor... é isso o que eu quero pra mim...e com certeza é o que desejo a você!!! Parabéns por seu Blog, é sempre uma delícia lê-lo!

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